sexta-feira, 10 de junho de 2011

A rainha solteira

Era uma vez um Rei muito popular entre seus súditos e admirado pelos reinos vizinhos. Depois de um longo reinado, ele resolveu que era tempo de descansar de suas obrigações reais. Para sua tristeza, seu filho gostava mais da vida real do que de trabalhar para merecê-la, então ele tratou de procurar na corte um sucessor de confiança, que fosse capaz de levar adiante o seu trabalho. Muitos de seus assessores e ministros, ávidos pelo poder, lutaram entre si para cair em suas boas graças. Tanta cobiça e inveja acabou por destruí-los a todos. Todos menos um. Aliás, uma. Sim, uma mulher. O Rei, então, sem mais demoras, proclamou-a sucessora do trono, apresentando-a como a futura Rainha e causando grande espanto e surpresa em todo o reino.

- Uma Rainha? – desconfiavam alguns – Nós nunca fomos governados por uma mulher!

- Quem vai ser o Príncipe-consorte? – indignavam-se outros – se ela nem marido tem!

Sim, o reino teria uma Rainha sem marido. O Rei convocou o clero para deliberarem sobre a questão. “Deixe, majestade, que eu cuide pessoal e discretamente deste assunto e o senhor não se aborrecerá”, declarou esperançoso o Cardeal e o problema foi posto de lado. O importante era a sucessão. Respeitando a vontade do Rei, a nova Rainha foi aclamada pelo povo. As festas da coroação duraram vários dias, com muita alegria e a promessa de comida e bebida para todos.

O novo reinado transcorria em harmonia com os súditos, e o reino parecia atravessar um período de mágica prosperidade. A plebe comia; a burguesia trabalhava; os negociantes prosperavam; a corte festejava; e os ministros enriqueciam, tudo como tinha sido planejado. E parecia não haver descontentes. A Rainha governava com autoridade, sempre aparentando competência e dedicação ao trabalho. Mas sua expressão não aparentava felicidade. Quase não sorria nas audiências e seus discursos, apesar de esperançosos, eram amargos. Estaria doente? O que lhe faltava? Seus súditos se preocupavam. A alegria daquele povo, que tantos motivos tinha para tudo festejar, não era capaz de contagiar a tão recomendada Rainha. O povo feliz tinha uma Rainha triste.

Aconteceu que, numa noite de lua cheia antes da chegada do inverno, a silhueta de um estranho condor foi vista numa das sacadas do palácio da Rainha por um soldado da guarda real. Logo a novidade correu o reino. Seria mesmo um condor? O dono de uma estalagem nos fundos do palácio jurava ter se deparado com o que parecia ser uma leoa ou uma loba, enquanto jogava fora o lixo da noitada. Uma das damas da Rainha relatou que vislumbrara um boto no fosso do castelo, mas não tinha certeza porque estava muito escuro. As beatas da paróquia persignavam-se por temor ao Satanás. Pescadores ouviram sereias, pastores farejaram serpentes. Nas tabernas, os homens junto a seus copos e as mulheres de poucas roupas não falavam de outra conversa. Quem seriam aqueles bizarros seres – talvez nem existissem, talvez fossem vários – que assaltavam as noites do palácio real?

O tempo passou e as lendas continuaram a ser contadas e recontadas no reino. E então já havia fadas, duendes, cavaleiros alados e toda sorte de feras e belas. Nenhuma delas comprovadas. Todas elas negadas veementemente pelo General da guarda real, pela Ministra Geral e pelo Cardeal. A própria Rainha nunca tocava no assunto, aumentando no povo a crença nas lendas. Não há registros de quanto tempo ainda durou aquele reinado, nem é sabido se o reino permaneceu próspero. Mas a verdade é que todo o povo percebeu – e ninguém negou – que, a partir daquela noite de lua cheia antes da chegada do inverno, a Rainha se tornou uma mulher feliz. E é a felicidade da mulher – acima da Rainha – que o povo feliz até hoje festeja.


Moral
A majestade está sinceridade do povo, não nas aparências da realeza.

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