segunda-feira, 10 de maio de 2010

Helio Oiticica derrota o Inferno outra vez

Eu iniciei a minha vidinha de artista plástico aos seis aninhos, quando minha mamãe contou pra vizinha D. Lurdes que estava preocupada com o Renatinho porque viu um desenhinho meu de uma casinha com janelinhas no centro de um jardinzinho cheio de arvorezinhas e florezinhas, com umas montanhinhas sob um céu de nuvenzinhas ao fundo. A preocupação era que a casinha tinha uma frente enorme e terminava pequenininha. “Será que o Renatinho tem algum problema...?”

A D. Lurdes era ninguém menos do que a destacada artista contemporânea Maria de Lourdes Mader Pereira Novaes que, ao olhar para o ‘desenhinho’, viu que eu tinha feito uma paisagem em perspectiva. Fui recrutado, desde então, a ter aulas de artes com a D. Lurdes e sou honrado por ter sido o primeiro aluno (cronologicamente falando, é claro) do histórico Atelier Livre de Artes Plásticas - ALAP, mais tarde Centro de Arte Contemporânea - CEAC. Com menos de dez anos, fui apresentado a uma coisa chamada ‘oiticica’. É claro que eu achava que ‘oiticica’ queria dizer maluquice. Depois soube que Oiticica era uma pessoa, um artista. Que eu chamava de ‘seu’ Titica. De qualquer jeito, pra minha inocência infantil, era um maluco.



Quando mais tarde – bem depois da morte dele – eu comecei a fazer as minhas próprias maluquices, mesmo sem ainda entendê-las, compreendi a genialidade de Helio Oiticica, por ter dado – como tantos antes dele – um passo à frente, condição fundamental para que a arte permaneça sempre viva. Quem dera eu! Não vou perder meu tempo nem o das minhas duas leitoras em adjetivar a grandeza de Helio Oiticica apenas como ‘pósconcretista’ ou ‘antiartista’, coisas de críticos de arte – dos quais eu não gosto e é mútuo.

Agora vem um incêndio e surrupia dos mortais uma coleção inestimável de obras do meu ‘seu’ Titica. Ó, minhas duas leitoras, acreditem: quando eu soube, agora burro velho, fiquei sem ar, chorei feito o Renatinho da casinha com janelinhas e nuvenzinhas. Eu, que sempre achei que depois de morrer, meus quadros me carregariam através dos tempos. Mas, de repente, vem um fogo e...

Só sosseguei o espírito quando me dei conta de que quanto mais morra a carne do homem e quanto mais o fogo queime suas obras, ainda assim, a nossa (que pretensão minha, ein ‘seu’ Titica!) inspiração, a nossa inquietação, a nossa maluquice enfim, mais a nossa arte vai perambular por aí levando luz, inclusive até aos demônios, para sua derrota. Só sosseguei porque entendi que a obra de Helio Oiticica queimou, mas ele ganhou do Inferno outra vez.

Desculpem o desabafo. Ufa!

Nenhum comentário:

Postar um comentário